segunda-feira, 27 de abril de 2009

Alternativa para o povo

Jornal do Brasil

JB, 12.04.2009, Artigo

Alternativa para o povo

Mauro Santayana

Dois textos divulgados na última sexta-feira merecem reflexão no início deste outono instável. O primeiro reproduz entrevista de João Pedro Stédile à Radiobrás; o segundo é um artigo de Eric Hobsbawm publicado pelo Guardian, da Grã-Bretanha. Hobsbawm volta a uma proposta muito antiga, já discutida nos anos 30, quando a direita e a esquerda se confrontavam no mundo inteiro: a de uma terceira saída. Na Alemanha, a direita facínora estava em ascensão; na União Soviética, o stalinismo se impunha. Nos Estados Unidos, Roosevelt salvava o capitalismo com o New Deal, mas não abandonava a teologia do Destino Manifesto, esse evangelho do imperialismo norte-americano. O escritor afirma que não basta “brecar”, moral e economicamente, o neoliberalismo. O desenvolvimento deve ser um meio, e não um fim em si mesmo. Ele deve garantir a vida e a felicidade de todas as pessoas.

Nos anos 30 havia a crise econômica – muito semelhante à atual. Paul Krugman – também neste fim de semana – registra que, naquele tempo, a recessão não foi tão universal quanto agora, porque a URSS era independente do mercado mundial e, assim, pôde, mediante a força do Estado, manter a crise fora de suas fronteiras. Hobsbawm não fala em remendos: propõe que se estude nova e corajosa forma de colocar a economia realmente a serviço do povo. O pensador inglês, nascido em Alexandria, fala sobre o mundo – e, no mundo, também estamos – enquanto Stédile trata especificamente da situação nacional. É quase certo que as ideias do dirigente do MST serão recebidas com muxoxos pelos sábios da economia e cientistas da política. Ele não se vale de esquemas acadêmicos, mas examina os fatos e as ideias com a experiência de militante. Em sua opinião, o governo deveria promover a imediata estatização dos bancos, abandonar a obsessão pelo superávit fiscal e buscar o pleno emprego. Ele teme que o governo aja da forma tradicional, dando mais dinheiro para os ricos, que sairão ainda mais ricos do processo. Os trabalhadores, como sempre, serão sacrificados, para que os ricos se salvem.

O dirigente do MST acusa o governo de se encontrar na defensiva, dentro do casulo do poder, sem coragem para convocar a sociedade ao debate. Sendo assim, Stédile sugere que as organizações populares promovam a discussão. Ele lembra que, tendo sido concebido antes da crise atual, o PAC deveria ser reformulado, a fim de corresponder às exigências do momento. Duvida que as grandes empreiteiras se interessem pela construção de moradias populares, que deixam pouca margem de lucro. A construção das moradias populares, para ele, deveria ser tarefa dos próprios trabalhadores, mediante pequenas cooperativas habitacionais e o sistema de mutirão.

É certo que uma coisa é a visão da crise do lado de fora do governo, e, outra, do gabinete presidencial. A reação dos comentaristas econômicos à decisão presidencial de determinar ao Banco do Brasil a redução do spread nas operações de empréstimo mostra que governar não é fácil. O Banco do Brasil, desde que se inaugurou, em 1808, tem sido o instrumento natural e necessário do governo a fim de realizar sua política financeira. Como em todas as sociedades anônimas – e o banco é uma sociedade anônima – cabe ao acionista majoritário estabelecer as normas de administração à diretoria executiva. O Banco do Brasil, com o poder de seus ativos, tem sido cobiçado pelo setor privado há anos. Um dos críticos mais ácidos da decisão de Lula é exatamente o senhor Maílson da Nóbrega que, quando ministro da Fazenda, pensava em privatizar a instituição. Se não fosse a resistência dos funcionários do banco – e de seu fundo de pensão – o governo Fernando Henrique o teria privatizado com prazer, provavelmente vendendo-o a alguma instituição estrangeira.

Como Hobsbawm, Stédile propõe uma terceira via, a da “alternativa popular”. A mobilização dos movimentos populares servirá de advertência ao Congresso Nacional, de que deve levar a sério a situação, e unir-se ao Poder Executivo na aprovação de medidas mais duras contra a especulação financeira. Os bancos – é outra observação de Stédile – reforçaram suas disponibilidades com a redução do compulsório e usaram os recursos para especular com títulos do governo – e ganhar ainda mais. Para eles vale a velha observação de que qualquer crise é sempre uma nova oportunidade.

Crise extingue 100 mil empregos no campo

Crise extingue 100 mil empregos no campo

São Paulo, 13 de Abril de 2009 - Desde o fatídico 15 de setembro de 2008, quando houve a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers e por conseguinte da economia mundial, o agronegócio brasileiro perdeu pelo menos 153 mil empregos. Nessa conta ainda não foram calculadas as baixas, não menos impactantes, nas usinas de álcool (ver página 10).

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nos últimos seis meses findos em fevereiro o saldo resultante das contratações e demissões formais na agropecuária ficou negativo em 260 mil postos de trabalho - montante 64% maior, ou 100 mil a mais, em relação ao mesmo período do ciclo anterior.

De acordo com estimativa da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec), o número de postos de trabalho fechados na indústria do segmento em questão desde o agravamento da crise pode superar 50 mil. O cálculo, segundo Otávio Cançado, diretor-executivo da entidade, considera os frigoríficos fechados e os que reduziram o nível de abates por conta da queda das exportações e do inchaço do mercado interno. "As empresas do setor estão com capacidade ociosa entre 30% e 50%, afirma Cançado.

Somente o frigorífico Independência, que há dois meses era o quarto maior do País em capacidade de abate, demitiu 6,2 mil trabalhadores - mais da metade de seu quadro de pessoal que antes da crise chegava a 11 mil pessoas. O Arantes, que também entrou em recuperação judicial, dispensou outros três mil funcionários, e atualmente mantém cinco mil no grupo.

As indústrias de lácteos demitiram cerca de mil funcionários no sombrio período avaliado, as 550 perdas mais recentes foram decretadas pela Nilza. As indústrias de suco de laranja seguiram a tendência e dispensaram pelo menos 500 pessoas, metade delas com o fechamento da unidade da Citrosuco em Bebedouro (SP). A essas perdas se somam as mais de 1,5 mil sofridas nas indústrias de máquina agrícolas.

Responsável pelo emprego de 1/3 da mão de obra ativa brasileira, do Produto Interno Bruto (PIB) e também das exportações, o agronegócio é movimentado por atividades sazonais e dispersas pelos quatro cantos do País que, se somadas, explicitam o impacto da crise sobre o setor agrícola. O diretor titular do Departamento de Agronegócios da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Deagro/Fiesp), Benedito Ferreira, avalia que, no caso específico do setor, as demissões ou as admissões que deixaram de se concretizar, dispersas tal qual se apresentam, não parecem surtir efeito no mercado, "mas não deixam de ser alarmantes. Perdemos mais que a Embraer e as montadoras juntas".

Eduardo Daher, diretor-excutivo da Associação Nacional para a Difusão de Adubo (Anda), reforça o coro da camuflagem promovida pela dispersão e sazonalidade características do setor e admite uma redução em postos de trabalho na indústria de fertilizantes proporcional à queda de 25% na produção, registrada desde o último trimestre do ano passado.O professor Antonio Buainain do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) é otimista em relação ao prolongamento do impacto da crise no agronegócio. "A demanda por produtos agropecuários é mais inelástica. Comida é o último gasto que se corta", afirma o pesquisador. Para ele, nas exportações os ajustes já estão sendo feitos "via preço e nem tanto na quantidade. O preço em dólar recuou, mas isso já está sendo minimizado pela desvalorização do câmbio".

Buainain acredita ainda que na agricultura está colhendo a mesma quantidade de grãos dos anos anteriores. "Já na indústria, se a atividade cai, a primeira providência é o corte de pessoal", acrescentou. "Se mantivermos o mesmo volume de produção já é um bom cenário" Na perspectiva global, segundo o professor da Unicamp, a carne terá ajuste de preço. Mas o Brasil tem todas as condições de manter a sua participação no mercado internacional. "Se a gente tiver competência pode até aumentar o volume porque somos competitivos".

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 9)(Gilmara Botelho e Fabiana Batista)

Crédito curto reduz oferta de emprego no campo

São Paulo, 13 de Abril de 2009 - A restrição às linhas de crédito para financiamento de máquinas agrícolas e formação de capital de giro nas indústrias reprimiu a criação e manutenção de mais de 23 mil postos de trabalho diretos em 2009. Os principais problemas estão concentrados no setor sucroalcooleiro, onde neste ano foram postergados 15 projetos de novas indústrias, de um total de 35, impedindo a criação de 22 mil empregos diretos, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). A associação acredita que o alto nível de mecanização, estimulado pelo programa de eliminação da queima no estado, também contribui para a redução do quadro.

A situação complicada nos canaviais atingiu o segmento de máquinas agrícolas, onde as vendas de colheitadeiras recuaram mais de 30% em plena safra. Esse cenário provocou a demissão de 716 pessoas entre fevereiro e março. Na comparação com o ano passado, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) calcula que o total de demitidos somou 1.559 pessoas, encolhimento de 9,2%. A dificuldade em acessar novas linhas de financiamento é considerado o maior entrave no setor por causa do alto valor agregado das colheitadeiras, que em muitos casos utltrapassam os R$ 600 mil.

No primeiro semestre de 2008, o excesso de especulação com commodities inflou as cotações agrícolas e do petróleo, estimulando investimentos na produção de grãos e na busca de combustíveis alternativos, como o etanol de cana-de-açúcar. Porém analistas explicam que a crise americana provocou encarecimento e dificuldades em obter crédito, além de derrubar os preços das commodities.

Antônio de Pádua Rodrigues, diretor-técnico da Unica, observa que ainda não há indícios de que a crise tenha fechado usinas e provocado desemprego. Porém afirmou que a falta de recursos contribuiu para o adiamento de vários projetos em 2009. Além disso, revelou que muitas usinas deixaram de gastar na renovação e tratamento do canavial em janeiro, eliminando 30% da mão-de-obra do período (ver matéria abaixo). "Não havia dinheiro para o adubo e soqueiro e muitas pularam esse investimento".

Disse ainda que o pedido de recuperação judicial feito pelos grupos João Lyra e Albertina não significa interrupção da moagem. No entanto admitiu que a situação de Usinas como a Naoum, que também está em recuperação judicial, ainda é indefinido.

"Algumas empresas estão se ajustando à situação e devem entrar em operação nos próximos anos". Ele calcula que 20 usinas, de uma previsão de 35, entraram em operação neste ano. Informou ainda que cada unidade com alto nível de tecnologia emprega 1,5 mil funcionários diretamente. "Com a queima, a mão-de-obra empregada dobra", completa. Porém lembrou que para os projetos saírem do papel é necessário preço remunerador. "Se a usina não se preparar com capital de giro financiado e alavancagem no açúcar, que está valorizado, não resistirá muito tempo".

Alcindo Kempfer, presidente do sindicato dos metalúrgicos de Horizontina (RS), onde a John Deere mantém uma fábrica de colheitadeiras, revela que a produção da fábrica caiu mais da metade. "Hoje são produzidas oito unidades por dia". A região acumula o maior volume de dispensas em máquinas, com mais de 500 demissões.

Disponível em http://www.gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2440858,7,3,4

Efeitos da crise mundial sobre os mais pobres- jornal la republica, 19 de abril

"Se os doadores aproveitarem a crise econômica como desculpa para dar as costas às suas obrigações, uma crise já grave poderia se tornar catastrófica". É a réplica, à distância de meses, da associação Action for Global Health [Ação para a Saúde Global] às afirmações de Robert Zoellick, diretor do Banco Mundial. Há alguns meses, Zoellick havia declarado que "a crescente recessão econômica, somada ao aumento dos preços dos produtos alimentares e dos combustíveis, tornará ainda mais difícil, para os governos dos países em via de desenvolvimento, proteger os pobres"

A reportagem é de Rosaria Amato, publicada no jornal La Repubblica, 19-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

E, ao invés, é justamente este o momento de defender os pobres: respeitar os compromissos assumidos é a melhor estratégia anticrise, é a tese que surge do relatório (apresentado por ocasião da Jornada da Saúde) da Ação para a Saúde Global, rede internacional que reúne 15 organizações não-governamentais que têm sede em Bruxelas e na França, Alemanha, Espanha, Reino Unido e Itália. "A saúde é um direito fundamental humano – recorda o relatório. Constitui também uma contribuição fundamental para a redução da pobreza, para o desenvolvimento social, para a segurança humana e para o crescimento econômico".

A pobreza incide sobretudo sobre as mulheres. Pelo contrário, abandonar os países em vias de desenvolvimento significaria condenar à morte centenas de milhares de pessoas, sobretudo mulheres e crianças. A pobreza não é igual para todos, lembra a Ação para a Saúde Global: "Atualmente, no sul do mundo, a cada minuto uma mulher morre no parto. Para cada mulher que morre, 20 sofrem de invalidez ou doenças". Ainda, "cerca de 75% das infecções do HIV na faixa de idade compreendida entre os 15 e 24 anos se referem às jovens mulheres". "Cerca de 120 milhões de crianças e de mulheres são submetidas à mutilação dos genitais".

E sobre a saúde das crianças. Mas a situação não é melhor para as crianças: "Uma criança que nasce em um país em vias de desenvolvimento já tem 13 vezes mais probabilidade de morrer do que uma criança nascida em um país industrializado". Mas com a crise o risco de morte infantil se tornará mais elevado. "Calcula-se que a atual crise econômica comportará entre 200 mil e 400 mil mortes por ano, devido, em grande parte, à dramática piora da desnutrição infantil".

Os Objetivos do Milênio. Uma sociedade sadia é capaz de ativar um círculo virtuoso do qual se beneficiam também as relações internacionais, lembra a Ação para a Saúde Global. E, então, é preciso evitar que a crise da saúde desemboque em uma catástrofe humanitária nos países em vias de desenvolvimento. E o único caminho, relembra a organização, é a de enfrentar os compromissos já assumidos, a partir dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, acordados em Nova Iorque em setembro de 2008, valorizando também a eventualidade de incrementar os financiamentos já garantidos. Particularmente com referência à saúde, os Objetivos assumidos são três: reduzir em dois terços a taxa de mortalidade infantil com menos de cinco anos; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças.

Segundo o Banco Mundial, lembra a organização, em 94 países em vias de desenvolvimento do total de 116 já está se verificando uma desaceleração do crescimento econômico, e apenas um quarto das nações mais vulneráveis possui os recursos necessários para prevenir um aumento da pobreza. E, por isso, "os 22 países mais pobres do mundo poderão necessitar neste ano, para resistir, de ajudas de 25 bilhões de dólares. Mas se a crise piorar além das previsões, essa cifra pode alcançar os 140 bilhões.

A posição da Itália. Frente a esses números, quais são os compromissos da Itália? O país, destaca a Ação para a Saúde Global, "sempre manteve o nível mais baixo de ajudas para o desenvolvimento entre os países examinados (com exceção de 2005, mas se tratava de cancelamento do débito)". Não apenas isso: "o orçamento destinado ao desenvolvimento para 2009 conhecerá uma diminuição de 56% com relação ao de 2008, e é possível que a crise econômica comporte reduções ulteriores".

A Itália, reconhece a organização, não é indiferente às exigências dos países em vias de desenvolvimento e, de fato, "é muito ativa na pesquisa e na experimentação dos mecanismos inovadores de financiamento". Mas não é suficiente: o respeito aos compromissos econômicos assumidos em sede internacional é fundamental para a própria sobrevivência dos países mais pobres.

E, portanto – a Ação para a Saúde Global pede com força – a Itália deve respeitar os compromissos de contribuir com 2,5 bilhões de dólares (o equivalente a cerca de 1,9 bilhão de euros, distribuídos em 383 milhões de euros por ano a serem inseridos nas manobras financeiras dos próximos cinco anos) aos 60 bilhões de dólares destinados pela Cúpula do G8 de Toyako para a luta contra as doenças infecciosas e para reforçar a saúde, e com pelo menos 130 milhões de euros por ano para 2008, 2009 e 2010 para o Fundo Global de Luta contra a Aids, Tuberculose e Malária.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Relatório de encaminhamentos do encontro de debates sobre a crise convocado pelos movimentos sociais articulados na Assembléia Popular e outras forças



































PROJEÇÕES PARA 2009 - IPEA

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA

DIRETORIA DE ESTUDOS MACROECONÔMICOS

GRUPO DE ANÁLISE E PREVISÕES

Março de 2009

PROJEÇÕES PARA 2009



PIB


As projeções apresentadas a seguir estão condicionadas à hipótese de que o pior da crise financeira internacional já foi superado. Neste sentido, acreditamos que a economia mundial, ainda que de forma lenta, apresentará uma melhora gradual no decorrer dos próximos anos, em resposta às medidas de política econômica adotadas por diversos governos.

Dentro deste contexto, estamos prevendo que o PIB sofrerá desaceleração em 2009, chegando ao fim do ano com um crescimento acumulado em torno de 2,0%, com intervalo de 0,5 p.p. para cima ou para baixo. Este resultado é reflexo de uma trajetória de recuperação ao longo do ano, onde o PIB cresceria a taxas mais expressivas a partir do segundo semestre (ver gráfico 1). Para o PIB crescer em termos reais 2%, espera-se as seguintes taxas de crescimento trimestrais ao longo de 2009: 0,2%, 1,6%, 2,5% e 3,1%.

GRÁFICO 1

Produto Interno Bruto

(Taxa de crescimento real ante trimestre anterior, dessazonalisada, em %)

Fonte: IBGE. Elaboração: Ipea/Dimac/GAP.

Nossas projeções estão baseadas nas seguintes considerações:

(i)-aumento dos investimentos referentes às obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento);

(ii)-lançamento do Programa Habitacional do governo;

(iii)-aumento da renda disponível devido à criação de duas novas alíquotas do IRPF;

(iv)-efeitos defasados da política monetária de redução da taxa de juros básica da economia, com ampliação do crédito e redução de suas taxas “na ponta”;

(v)-aumento real significativo do salário mínimo que começou a ser pago no início do mês de março e que amplia o valor dos benefícios previdenciários; cerca de 2/3 dos benefícios pagos têm o valor de um salário mínimo - houve recomposição do valor dos benefícios da Previdência, de acordo com a inflação passada;

(vi)-mais 1,3 milhão de famílias beneficiadas no programa Bolsa-Família;

(vii)-ampliação de créditos direcionados, especialmente concedidos pelas instituições financeiras públicas;

(viii)-o consumo da administração pública deverá manter um bom desempenho.


TRANSAÇÕES CORRENTES


Esperamos que o saldo em transações correntes se situe no intervalo negativo de 25 a 18 bilhões de dólares. As previsões para os resultados do setor externo estão intimamente associadas aos efeitos da crise mundial. A retração dos níveis de comércio, juntamente com a redução dos preços internacionais, especialmente das commodities, terão como consequência direta a redução dos níveis de exportações e importações. Espera-se que a remessa de lucros e dividendos seja mais modesta que aquela que ocorreu em 2008, devido à desaceleração do ritmo de crescimento econômico.


INFLAÇÃO


A taxa de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá se situar no intervalo 3,7% a 4,7%, podendo ficar ligeiramente abaixo da meta de 4,5%, definida pelo Conselho Monetário Nacional. Não somente pelo desaquecimento da atividade econômica, como também pelas previsões de bons resultados em relação às safras agrícolas, acreditamos que a inflação não será um problema em 2009. Um fator que poderia pressionar os preços está associado à depreciação ocorrida na taxa de câmbio, a partir de outubro de 2008. Este efeito, contudo, deverá ser amortecido pela queda dos preços internacionais. Além disso, em momentos de baixa demanda, o pass-trough (repasse) torna-se menor.

Transformações na indústria bancária brasileira e o cenário de crise


COMUNICADO DA PRESIDÊNCIA

Transformações na indústria bancária brasileira e o cenário de crise

Apresentação

O presente Comunicado da Presidência trata da temática bancária no Brasil, especialmente no atual cenário de crise econômica internacional em que as altas finanças assumiram maior importância. Três são as partes constitutivas, a saber:

· a seção 1 descreve brevemente o contexto da atuação da indústria bancária no mundo;

· a seção 2 apresenta a evolução da atividade bancária no Brasil; e

· a seção 3 discute parâmetros nacionais de desempenho dos bancos no Brasil.

As informações quantitativas primárias utilizadas, bem como as referências bibliográficas encontram-se na parte final do estudo. Todas elas correspondem, em grande parte, ao esforço analítico de um conjunto de pesquisadores do IPEA[1].

1 – Contexto geral da indústria bancária no mundo

A partir do último quartel do século passado, parcelas significativas das economias passaram a ser dirigidas novamente pelo comportamento das altas finanças, com as atividades bancária e financeira assumindo maior centralidade no conjunto das políticas governamentais. Em função disso, o desempenho econômico dos países tornou-se mais propenso às crises financeiras. Desde a década de 1970 passou a predominar a cada dois anos, em média, uma situação de crise financeira segundo diversas modalidades (inadimplência bancária, especulação cambial, entre outras). A atual turbulência internacional se inscreve no contexto geral de fragilidades e crises especulativas geradas pela atuação da indústria bancária no mundo[2].

Nesse sentido observa-se que o avanço do processo de financeirização das economias terminou sendo demarcado pela predominância de duas características. A primeira relaciona-se ao movimento mais geral de desregulamentação financeira, revertendo os acordos de Bretton Woods, durante a primeira metade da década de 1970. Com o desaparecimento das taxas de juros fixas e a expansão de mercados financeiros sem o controle das autoridades públicas nacionais e internacionais, as finanças se deslocaram uma vez mais da economia real, indicando a possibilidade de geração de riqueza sem contrapartidas em termos de produção baseadas, apenas, em inovação tecnológica e sofisticação dos serviços financeiros.

A segunda característica é a significativa redução da presença dos bancos públicos na indústria bancária. No final da década de 1990, por exemplo, os países industrializados contavam com cerca de um quarto do total dos ativos bancários sob responsabilidade do setor público, enquanto em 1970 chegou a atingir dois quintos. Esse movimento de maior privatização das atividades bancárias ocorreu pelo mundo, embora a América Latina e os países da Europa do Leste (ex-bloco soviético) tenham registrado experiências mais radicais de esvaziamento do Estado do setor bancário.

A presença do Estado no total dos ativos bancários caiu 37,5% na América Latina e 44,4% nos países da Europa do leste entre as décadas de 1970 e 1990. Já na região asiática, a redução na participação do setor público no total dos ativos bancários foi bem menor, 16,3% nos países da Ásia do leste e apenas 6,4% no sul da Ásia durante o mesmo período de tempo.

No período de 1987 a 2003, por exemplo, mais de 250 bancos foram privatizados no mundo, representando uma injeção de 143 bilhões de dólares nos cofres estatais. Somente no Brasil, os recursos envolvidos com a privatização bancária alcançaram a soma acumulada de 6,5 bilhões de dólares, conforme o Banco Central.

Todo esse movimento de redução da presença do setor público na indústria bancária não deixou de expressar o predomínio da visão sobre a superioridade das forças de mercado e a ineficiência dos bancos públicos (Boehmer et al, 2005; Clarke et al, 2004). Combinado com o esvaziamento do Estado no mercado financeiro houve também o fortalecimento do movimento de maior concentração bancária. Somente nos Estados Unidos, por exemplo, registrou-se a diminuição de 41% no total dos bancos comerciais entre 1990 (12.343) e 2007 (7.282)[3].

Gráfico 1– Presença do Estado na indústria bancária nas décadas de 1970 e 1990 (em % do total de ativos dos bancos)

Fonte: Shleifer et al, 2002 (Elaboração IPEA)


Com a crescente privatização, fusão e incorporação no segmento bancário, ganharam maior importância as corporações transnacionais financeiras na sustentação do próprio processo de globalização capitalista com baixa regulação pública. O descolamento das finanças nacionais para com o desenvolvimento local tornou uma das evidências da emergência dos ganhos fictícios generalizados pela liberação das inovações e maior circulação financeira.


2 – Breve evolução das atividades bancárias no Brasil

Desde o início da década de 1990 que se assiste à significativa transformação na indústria bancária no Brasil. Acompanhando todo o procedimento de modernização das atividades bancárias, com importantes avanços tecnológicos e abrangência e sofisticação de serviços, houve também maior concentração bancária e o crescimento da presença do capital estrangeiro.

De maneira geral, isso pode ser facilmente percebível da participação dos 20 maiores bancos em operação no Brasil no total dos ativos bancários. Somente em dez anos (1996 – 2006), a participação dos 20 maiores bancos no total de ativos aumentou 20%, passando de 72% para mais de 86%.

Gráfico 2 – Brasil: evolução da participação dos 20 maiores bancos no total dos ativos dos bancários

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)



Com a concentração bancária no Brasil houve a redução em 32,2% na quantidade de bancos em operação nos últimos onze anos[4]. Em 2007, por exemplo, o país possuía somente 156 instituições bancárias, enquanto a Alemanha registrou 2.130 bancos e os Estados Unidos 7.282 bancos[5].






Gráfico 3– Brasil: evolução do número de bancos segundo origem do capital

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)



Mesmo com a queda na quantidade de bancos públicos (59,4%) e privados (27,8%) no país entre 1996 e 2007, observa-se o crescimento de instituições bancárias privadas estrangeiras 36,6%. A principal fase de redução da presença dos bancos públicos no Brasil ocorreu entre 1995 e 2001, com uma breve interrupção entre 2001 e 2003, quando voltou novamente a perder importância relativa no total de ativos bancários. Em 2006, por exemplo, os bancos públicos respondiam por menos de 30% do total de ativos bancários, enquanto em 1993 era de quase 52%.


Gráfico 4– Brasil: evolução da participação do setor público no total dos ativos dos bancos

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)



Por conseqüência da diminuição do peso dos bancos públicos no total de ativos houve a expansão dos bancos privados nas operações de crédito. Em 2006, por exemplo, os bancos públicos respondiam por quase 1/3 do total das operações de crédito, enquanto em 1996 encontrava-se próximo de 60%.




Gráfico 5 – Brasil: evolução da participação das instituições bancárias nas operações de crédito (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)



Com o setor privado concentrando quase 70% do total das operações de crédito no Brasil, pode-se perceber a importância crescente das instituições bancárias estrangeiras. No ano de 2006, elas respondiam por mais de ¼ do crédito, enquanto em 1996 era menos de 10%. No período analisado, identifica-se o avanço dos bancos estrangeiros que parecem se aproximar da importância relativa dos bancos públicos.

O mesmo, contudo, não ocorre com a distribuição dos depósitos bancários. Os bancos estrangeiros respondem por menos de 1/5 do total dos depósitos, enquanto os bancos públicos absorvem cerca de um terço. Em 1996, os bancos públicos respondiam por quase 60% dos depósitos e os bancos estrangeiros por menos de 8%.

Gráfico 6 – Brasil: evolução da participação das instituições bancárias nos depósitos (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)



Também se observa movimento idêntico de redução do peso dos bancos públicos em relação ao total de ativos. Em 2006, os bancos privados representaram mais de 70% dos ativos, sendo as instituições estrangeiras com quase 22% do total.




Gráfico 7 – Brasil: evolução da participação das instituições bancárias no total dos ativos (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)



Concomitante com a diminuição do papel do Estado na indústria bancária nota-se mudança no padrão de competição no Brasil. Pelo menos isso é o que pode sugerir algumas informações referentes à relação da população com as agências bancárias em operação no país, bem como a dispersão média entre as agências.

Ao contrário dos Estados Unidos, que combinou a redução na quantidade de bancos com ampliação do número de agências bancárias, o Brasil apresentou diminuição na quantidade tanto de bancos como no número de agências. Em 2007, por exemplo, os Estados Unidos tinham 55,1% mais agências bancárias do que em 1990 (de 50.858 para 78.867), enquanto o Brasil registrava queda de 8,4% (de 19.996 para 18.308), conforme informações oficiais dos respectivos bancos centrais.

Em virtude disso, a presença física dos bancos em relação à população e no território nacional apresentou importante diminuição. Até a década de 1980, por exemplo, havia para cada agência, em média, cerca de 8 mil brasileiros. A partir de 1990, a relação de agência por brasileiro subiu para mais de 10 mil pessoas. Em 2007, o Brasil tinha menos agência por população que em 1980.


Gráfico 8 – Brasil: evolução da relação média entre população e agência bancária

Fonte: BACEN e IBGE (Elaboração IPEA)



A distribuição das agências bancárias entre o conjunto da população brasileira encontra-se muito diferenciada segundo a região geográfica. Nas regiões Norte e Nordeste, por exemplo, a relação da população por agência chega a ser quase três vezes maior do que nas regiões Sul e Sudeste.




Gráfico 9 – Brasil: relação média entre população e agência bancária por grandes regiões geográficas em 2006

Fonte: BACEN e IBGE (Elaboração IPEA)



Nos estados e municípios da federação, a relação das agências bancárias com a população termina sendo ainda mais diferenciada. Os estados com maior penetração das agências bancárias no conjunto da população em 2006 foram: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

O estado de São Paulo concentra as sedes dos principais bancos privados do país, como no caso de 99 organizações bancárias que representam 62,7% do total dos bancos em operação no Brasil, enquanto o Distrito Federal localiza as sedes dos bancos públicos federais (Banco do Brasil, Caixa econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina observa-se a importante presença dos bancos públicos, que respondem por quase 1/3 do total das agências bancárias. Os estados com menor presença das agências bancárias no conjunto da população são: Maranhão, Piauí, Alagoas, Pará e Ceará, que se situam no Norte e no Nordeste do país.

Gráfico 10 – Brasil: relação média entre população e agência bancária por estados da federação em 2006

Fontes: BACEN e IBGE (Elaboração IPEA)



No conjunto dos municípios brasileiros, percebe-se um grau maior de concentração das agências bancárias nas capitais de Estados. As 27 capitais de estados responderam em 2006, por 33,9% do total das agências bancárias existentes em todo o país, embora possuíssem 24,2% da população brasileira.










Gráfico 11 – Brasil: distribuição das agências bancárias por tipo de município em 2006

Fontes: BACEN (Elaboração IPEA)


Em 2006 havia, em média, para cada grupo 7.251 residentes nas capitais, uma agência bancária, enquanto no restante do Brasil (excluída a população das capitais), que concentra 66,1% do total da população, eram 11.720 residentes, em média, para cada agência bancária. Isso sem registrar, ainda, o fato de haver 505 municípios brasileiros (9% do total) sem a presença de agência bancária.




Gráfico 12 – Brasil: evolução da área de atendimento entre as agências bancárias (em km2)

Fontes: BACEN e IBGE (Elaboração IPEA)


Para além da relação da distribuição de agências no total da população, cabe considerar, também, a cobertura do atendimento bancário. As informações do Banco Central apontam que a tendência de queda da cobertura média de agências bancárias foi interrompida na década de 1990. No período recente houve uma nova redução na cobertura das agências bancárias. Em 2007, no entanto, houve uma maior dispersão territorial (473 km2) do que em 1990 (428 km2), dispersão essa menor, porém, que a do ano de 2000 (521km2)


Gráfico 13 – Brasil: atendimento por agência bancária nas grandes regiões geográficas em 2006 (em km2)

Fontes: BACEN e IBGE (Elaboração IPEA)


A cobertura média entre agências bancárias não pode ser considerada uma medida precisa da realidade para o conjunto do Brasil. No ano de 2006, por exemplo, o morador da região sudeste encontrava uma agência bancária a cada 94 km2, enquanto o residente da região norte tinha apenas uma agência numa área 58 vezes maior, ou ainda, quase 13 vezes mais na região centro-oeste.



Gráfico 14 – Brasil: cobertura de agências bancárias por estados da federação em 2006 (em Km2)

Fontes: BACEN e IBGE (Elaboração IPEA)


O Distrito Federal é o local do Brasil com menor dispersão média entre as agências bancárias (18 km2), seguido do Rio de Janeiro (26 km2) e São Paulo (42 km2). Já os estados de Roraima (11.843 km2), Amazonas (10.594 km2) e Amapá (5.272 km2) registram as maiores dispersões, sempre em média, entre as agências bancárias.








Gráfico 15 – Brasil: distribuição das agências e dos bancos por origem do capital em 2006 (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)


Em grande medida, a diferença no grau de inserção das agências bancárias no conjunto do território nacional e nas áreas com menor densidade de população tende a estar relacionada à maior ou menor presença dos bancos públicos. Os bancos públicos, historicamente, se caracterizam por ter uma maior distribuição de suas unidades no conjunto do país. No ano de 2006, por exemplo, os bancos públicos, que representavam 8,3% do total dos bancos em operação no Brasil, respondiam por 43,1% do total das agências bancárias em operação. Já o setor privado, que representa quase 92% do total de bancos no Brasil, possuía menos de 57% do total das agências.

3 – Parâmetros da atuação bancária no Brasil

Diante das importantes transformações ocorridas nas duas últimas décadas na indústria bancária brasileira percebe-se que ainda não foi possível superar alguns sinais de exclusão bancária e de certa elitização na prestação dos serviços financeiros no país. De certa forma, a internalização do avanço tecnológico no setor bancário brasileiro, que responde atualmente por quase 7% do Produto Interno Bruto Nacional, permite maior solidez na sua atuação, gerando, por conseqüência, maiores possibilidades de ampliação do grau de inclusão social e territorial.

Em conformidade com parâmetros internacionalmente utilizados para medir o grau de inserção das atividades bancárias no conjunto da população e no território nacional, observa-se como o Brasil ainda possuiu um importante caminho a percorrer. A partir de um conjunto de países analisados pelo Banco Mundial, percebe-se que o país apresenta elevado número de habitantes por agência bancária.

Gráfico 16 – Indicador de acesso bancário em países selecionados em 2005 (quantidade média de pessoas por agência)

Fontes: BIRD, BACEN, IBGE (Elaboração IPEA)



Se comparada com a Espanha, que possui menos de 1,1 mil pessoas por agência bancária, o Brasil apresenta 9,3 vezes mais pessoas por agência. No caso dos Estados Unidos, o país apresenta uma concentração três vezes mais população por agência.

Quando a referência passa a ser a dispersão entre agências bancárias, a situação brasileira melhora um pouco. Se a referência for os Estados Unidos, percebe-se que a cobertura de agências bancárias era 4,3 vezes maior que a brasileira. No caso de Portugal, a cobertura era 25 vezes maior que a existente no Brasil.

Se considerados esses mesmos indicadores de dispersão média entre agências por diferentes regiões geográficas brasileiras, estados e municípios da federação, pode-se constatar diferenças ainda mais marcantes. Isso parece assemelhar-se com as informações referentes à distribuição do total dos depósitos e dos créditos bancários por grandes regiões geográficas brasileiras.





Gráfico 17 – Atendimento bancário via agências em países selecionados em 2005 (cobertura em Km2 por agência)

Fontes: Banco Mundial, BACEN, IBGE (Elaboração IPEA)


Entre os anos de 1997 e 2006, por exemplo, a distribuição dos depósitos bancários por grandes regiões geográficas não apresentou modificações expressivas, salvo os casos da região Nordeste, que perdeu participação relativa, e do Centro Oeste, que aumentou o seu peso relativo. Não houve transformação na distribuição dos depósitos entre os anos considerados e prevalece importante desigualdade entre as regiões que indica a desproporção dos depósitos bancários entre regiões ricas e pobres.






Gráfico 18 – Brasil: distribuição dos depósitos bancários por grande região geográfica (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)


Já em relação à divisão do crédito bancário por região geográfica, constata-se modificação substantiva. Os estados mais pobres perderam significativa participação no total do crédito bancário no país entre 1997 e 2006, enquanto as regiões Sul e Sudeste aumentaram ainda mais os seus pesos relativos.




Gráfico 19 – Brasil: distribuição das operações de crédito bancário por grande região geográfica (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)


Em síntese, verifica-se o fortalecimento da concentração geográfica do crédito bancário no país. Em 2006, por exemplo, as regiões Sul e Sudeste, responderam por quase 84% do crédito bancário, enquanto em 1997, representavam menos de 73% (aumento de 15,9%). As regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste acumularam uma perda de 41,4% na participação relativa no total do crédito bancário brasileiro entre 1996 e 2006, ou seja, passaram de 27,8%, em 1997, para 16,3%, em 2006.

Outro aspecto essencial, ou seja, a diferença de valores pagos para contrair crédito se manteve expressiva ao longo do tempo no Brasil em relação aos Estados Unidos e a Zona do Euro.

Tabela 1: Taxa média anual de juros no Brasil, EUA e Zona do Euro para pessoas físicas e jurídicas (em %)


EUA

ZONA DO EURO

BRASIL

PF

PJ

PF

PJ

PF

PJ

Pessoal

C. Giro

Pessoal

C. Giro

Pessoal

C. Giro

2000

8,11

5,06

Nd

Nd

12,84

6,16

2001

6,16

2,15

Nd

Nd

8,92

3,99

2002

6,39

2,13

Nd

Nd

5,67

2,96

2003

3,81

1,18

2,53

Nd

6,38

4,13

2004

3,69

1,36

2,52

Nd

9,83

6,68

2005

7,44

3,67

3,12

Nd

11,37

8,50

2006

3,74

2,04

2,06

Nd

20,94

11,05

2007

9,61

4,78

2,76

2,54

8,46

5,41

2008

9,59

2,75

2,89

2,47

9,32

5,88

Fonte: FDIC, BCE e BCB (Elaboração IPEA)

Vale lembrar, que o custo do crédito para a população e para as atividades econômicas é alto no Brasil. A tabela 2 apresenta o custo do crédito ofertado pelos bancos à população e aos empresários no Brasil e no exterior. É possível perceber o diferencial praticado por nas mesmas instituições bancárias em países diferentes.

Tabela 2: Taxa anual real de juros total* sobre empréstimos pessoais em instituições bancárias em países selecionados na primeira semana de abril de 2009

Instituição

País

Juro real (em %)

HSBC

Reino Unido

6,60

Brasil

63,42

Santander

Espanha

10,81

Brasil

55,74

Citibank

E.U.A

7,28

Brasil

60,84

Banco do Brasil

Brasil

25,05

Itaú

Brasil

63,25

Fonte: Dados fornecidos pelas instituições bancárias para os juros e OCDE e BCB para inflação nos países selecionados e no Brasil

* Juros adicionados aos serviços administrativos, riscos de inadimplência, margem de lucro e tributação.

Para empréstimos à pessoa física, o diferencial chega a ser de quase 10 vezes mais elevado para o brasileiro em relação ao crédito equivalente no exterior. Para as pessoas jurídicas, conforme aponta a tabela 3, os diferenciais também são dignos de atenção, sendo prejudiciais para o Brasil.

Tabela 3: Taxa anual real de juros total* pré-fixada sobre capital de giro de empresas em instituições bancárias segundo países selecionados

Instituição

País

Juro real (em %)

HSBC

Reino-Unido

7,86

Brasil

40,36

Santander

Espanha

3,80

Brasil

15,58

Citibank

E.U.A

nd

Brasil

17,50

Banco do Brasil

Brasil

19,46

Itaú

Brasil

27,42

Fonte: Dados fornecidos pelas instituições bancárias para os juros e OCDE e BCB para inflação nos países selecionados e no Brasil

* Juros adicionados aos serviços administrativos, margem de lucro e tributação.

Para empréstimos à pessoa jurídica, a diferença de custo é menor, mas, mesmo assim, é mais de 4 vezes maior para o brasileiro.

Mesmo com esse diferencial, observa-se o avanço da experiência brasileira de popularização de serviços bancários por intermédio das operações de correspondentes não bancários, embora ainda à margem da estrutura bancária oficial. No ano de 2008, por exemplo, o Brasil registrou a presença de 84,3 mil correspondentes bancários operados em locais não bancários como padarias, postos lotéricos, correios, farmácias, entre outros.

Do total de correspondentes não bancários, 67,2% estavam concentrados nas regiões Sul-Sudeste e 42,6% de associados aos bancos públicos. Os serviços dos correspondentes não bancários parecem atender mais à parcela da população sem maior presença na estrutura oficial do sistema bancário tradicional.

Gráfico 20 – Brasil: distribuição das agências e postos de atendimentos bancários e não bancários em 2007 (em %)

Fonte: BACEN (Elaboração IPEA)


Para o segmento populacional incluído nos bancos, além da modalidade de acesso à agência bancária há ainda, os serviços pela via internet, bem como os postos oficias descentralizados de atendimentos. Neste caso, a presença dos bancos privados termina sendo levemente superior aos bancos públicos.




4- Considerações Finais

Com base nas páginas anteriores, constata-se uma importante transformação na indústria bancária brasileira no período recente. Concomitantemente com o avanço no processo de modernização tecnológica e da ampliação e sofisticação dos serviços prestados, ocorreram os movimentos de concentração dos bancos e de redução da presença dos bancos públicos tanto como a expansão das instituições bancárias estrangeiras.

Mesmo com todas essas importantes modificações no sistema bancário nacional, constatou-se a presença de sinais de baixa inclusão social. De um lado porque tendo havido redução na quantidade de bancos em operação e também queda no número de agências, o que tornou maior a aglomeração da população por posto de atendimento e aumentou a dispersão média entre as agências.

De outro lado porque grandes parcelas da sociedade brasileira contam com escassa inclusão bancária. Existem 505 municípios brasileiros sem agência bancária e é patente a desigualdade na oferta de serviços entre regiões, estados, municípios e no interior, quando existe comparação com as capitais de Estados. Ainda que seja possível argumentar que existe um importante número de postos ou correspondentes bancários, o atendimento à população e a disponibilidade de serviços não possui a mesma abrangência e magnitude, embora exerça de fato um relevante papel social.

Um dos exemplos disso tem sido a permanência de acesso diferenciado entre regiões no total do crédito, bem como um aumento na desigualdade em relação ao atendimento e à oferta de serviços por bancos e por correspondentes não bancários.

Um argumento muito em voga no debate sugere que a atual resistência à crise financeira internacional é uma prova da qualidade do sistema bancário brasileiro e de seus mecanismos de regulação. De fato, quando são comparados os resultados obtidos no Brasil com os países da América do Norte, Europa Ocidental e Japão, no momento atual, essa constatação é de difícil refutação. No entanto, ao considerar dados sobre a disponibilidade de crédito barato e de atendimento da população, o cenário se torna significativamente diferente. O custo do crédito supera em muito os patamares internacionais e o atendimento bancário é precário em vastas regiões do Brasil. Esse quadro, quando os efeitos mais graves da crise forem superados, vai recolocar o problema de acesso ao crédito e representar, novamente, um obstáculo para atingir um padrão de crescimento econômico mais elevado, pois, mesmo que a crise tenha forte componente bancário, o crédito continuará sendo a força motora para dar sustentação ao crescimento e gerar a sua transformação num ciclo virtuoso de desenvolvimento.

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[1] O documento contou com a assistência e colaboração de: Denise Gentil, Guilherme Dias, João Sicsú, Jorge Abrahão de Castro, José Celso Cardoso Jr., Liana Carleial; Milko Matijascic, Renault Michel, e Ricardo L. C. Amorim.

[2] Para maiores detalhes, ver: Guttmann, 2008; Andrade & Mendonça, 2006.

[3] Ver mais em: Jones & Critchfield, 2005.

[4] No mesmo período de tempo houve nos EUA a redução de 23,6% no total de bancos, passando de 9.528, em 1996, para 7.282, em 2007.

[5] Segundo dados do Bundesbank da Alemanha, banco Central do Brasil e FDIC dos EUA.